Tamanho 42

não sei se deveria te chamar de estranho,
nunca imaginei que cairia nesse imaginário,
que a estranheza pudesse se perpetuar entre nós.
logo eu, que conhecia tuas manias mais bobas,
já havia decorado a sequência em que costumas te vestir: cuecas, meias, calça, blusa e um perfume azedo,
e que sua sobremesa favorita era aquele tiramisù do café na esquina.
nem sei se era o seu favorito, mas era perto e sempre passávamos lá na hora de voltar pra casa.
estranho essas coisas se tornarem estranhas.

agora me diz: o que vou fazer com todos esses números — 03/05/2021, tamanho 42, o seu passaporte, o seu CPF, 1995, dois de janeiro? não sei se tenho mais capacidade para decorar números. até hoje não decorei o número do hospital — e sabemos que, pelas inconveniências da vida, faria muito mais sentido (e seria mais oportuno) decorar ao menos o número da emergência.

mas estranho é fingir que não aconteceu.
todas as fotos que ficaram arquivadas no rolo da câmera vão sempre causar esse burburinho no estômago, como quem atiça fogo ao ninho de vespas.
apagar as suas fotos de todas as redes sociais, as declarações de amor que não existem mais, qualquer espécie de bit que permita te encontrar, agora irrecuperável.
sabe, acho que o tiramisù nem é tão gostoso assim.



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